quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Testemunho Zambeze =2

Tragédia no Rio Zambeze, Condutor Cardoso 2º da Esquerda para direita de pé

Autor:- Manuel da Rocha Cardoso- Residente -Sebolido -4575 = Penafiel Condutor Auto Soldado Nº 067488/67

O Cardoso, ao meio, com o Simões e o Torres mais dois sobreviventes

Estava aquartelado em Vila Cabral, quando recebi com mais sete camaradas da minha companhia,uma ordem para nos deslocar a Lourenço Marques, para conduzir uma viatura nova, que nos tinha sido atribuída.
Fui transportado ao Comboio, e nele segui até Nacala, embarcando no navio Império, que me transportou até Lourenço Marques.
Ali nos juntamos a outros condutores pertencentes a outras companhias, estivemos lá um mês aquartelados, aguardando as viaturas novas que viriam da Àfrica do Sul.
Chegadas as viaturas, em número de trinta. Unimogues 404 a gasolina ( Os Grandes) e 411 a Gasóleo, ( Os Pequenos), os chamados Pinchas.
Neste tempo chegaram praças Checas (Soldados vindos recentemente da Metrópole), lá seguimos viagem, foi em média destinado a cada viatura em média cinco pessoas.
A coluna era comandada por um Tenente, um 1º Sargento e um Furriel.
Seguiu-se por Vila Luisa, direção a Ilhambane,, continuando em coluna até Chupanga.
Ali chegados deparou-se com o primeiro problema, o Batelão S. Martinho tinha avariado, ficamos ali à espera, até que o Batelão fosse reparado, o que demorou seis longos dias.
Fomos sidos alimentados a ração de combate (passando mesmo fome), dormindo debaixo das viaturas, num charco pantanoso e muito susceptivel a mosquitos.
Foi com enorme alegria, que toda a gente recebeu a noticia que o Batelão estava finalmente reparado, e que seguiriamos viagem nesse dia.
Lá fomos até ao Rio, carregaram -se as trinta viaturas, o material de guerra e nós as cerca de cento e oitenta pessoas, já incluídos os membros da tripulação do Batelão, assim apenas se faria uma travessia interessava-lhes que fossem todos para apenas fazerem uma travessia.

O sentinela que alertou os Comando do trágico acidente

O Agostinho, felizmente ainda vivo e residente em Entre-os - Rios Penafiel

Muito brevemente iremos ouvir o seu testemunho

Havia uma enorme cheia, o que não permitia ver a outra margem. O que fazer a travessia junto ao caír da noite, não parecia muito acretado.

Pouco depois de largar comecei a aperceber-me que o excesso de carga, os três motores volvos a puxar o barco, barco este que era composto por uma espécie de três rabões antigos (exemplo dos que se usavam para transporte de carvão no Douro), com estrado de madeira em cima, de uma grande dimensão.Junto as bombas a tirar àgua. No entanto o excesso de àgua que entrava pelos calados, dos três barcos começou a ser tanta que logo nos começamos a aperceber que ele se estava a afundar, e o tempo que demorou a afundar-se foi cerca de trinta minutos. O afundamento, veio a acontecer sensivelmente ao meio do rio, na correnteza do rio

Doze sobreviventes, foram parar a uma Ilha enorme no meio do rio, a nadando e sem qualquer auxilio.

Fui o primeiro a alcançar terra e mais onze o conseguiram fazer nesta Ilha. Juntos fomos caminhando,´já que isto era um ermo, e tudo nloite escura, atravessamos alguns pequenos riachos, até que avistamos uma luz, procuramos caminhar na sua direção e fomos bem sucedidos, com o apróximar, descortinamos tratar-se de uma fogueira e posteriormente avistamos uma palhota, chegados lá, em volta da fogueira estavam quatro negros. Dirigimo-nos a eles explicando-lhe o porquê de nos encontrarmos ali, e o porqquê de estarmos completamente nus.
Imediatamente pegaram cada qual na sua almadia (espécie de piroga) fizeram-se-se ao rio, recolhendo e transportando naufragos, para junto onde nos encontravamos. Começando nós o tratamento na sua recuperação, incluindo o boca a boca para a sua reanimação.

O Batelão e o fundo do Rio

O Batelão teria apróximadamente quarenta metros até à quilha, fundo dos Rabões cerca de quarenta metros, e o caudal do rio cerca de trinta, tendo ficado fora de àgua uma parte do Batelão por volta de dez metros , o que permitiu a que entre dez a doze homens aí continuassem agarrados, e assim tivessem sidos salvos pelos quatro negros.

O Comandante do Quartel de Mopeia que foi alertado pelo citado comionista, terá alertado o Comando Geral do acontecido, que por vez contactou o Capitão do Porto, de nome Fernando Manuel de Sousa, que jaz no cemitério de S. Jorge, campa nº29 segundo informação obtida por Tintinaine C.F.nº2) que enviou e decorrido muito tempo chegou um pequeno navio, que para transportar os cerca de cinquenta sobreviventes até ao quartel mais própximo em Mopeia, foram transportados em mais de uma viagem. Valeu-lhes a fogueira para se aquecerem, já que estava muito frio e eles sem roupas, tendo feito nesta nudez a viagem até ao quartel. Veio depois a saber-se que o pequeno navio Sena Sugar Estates de seu nome Mezinga. E que também heróis desta tragédia, os quatro irmãos se chamavam, Vasco, Zeca Manuel e Armando. foram como consta no Diário da República e um marinheiro conforme consta nos artigos homulgados em 5 dde Setembro de 1969



Quando se poderia esperar e desejar que o nosso sacrifício viesse a acabarcom a chegada ao aquartelamento, (puro engano) foram -nos entregues umas roupas desajustadas aos nossos corpos, e uma refeição quente. Fomos mandados dormir para um escola cimentada, e a cada um nós foi-nos entregue uma esteira e um cobertor. Mantendo-se assim, e durante um mês, vivendo nestas meseráveis condições, para que podessemos identificar os corpos que vinham sendo recuperados, sendo que o útimo apareceu ao trigéssimo dia. Não tendo aparecido dez corpos.



Neste espaço de tempo foi feito um cemitério com capacidade para os sepultar, fazendo um murado.



Os caixões foram feitos pelos negros, com quatro tábuas toscas em cada um se colocava o nome da pessoa, para que posteriormente viesse a ser identificado, quando reivindicado pela familia e então seriam passados para uma urna em chumbo como a fotografia, como mostra no Blogue Companhia Fuzileiros nº 2, para seguirem para as suas terras natais, a fim de serem entregues às familias.



Durante esse mês em que estivemos em Mopeia, fomos alimentados no quartel, nunca nos tendo sido oferecido nem dinheiro, nem outros bens, mesmo sabendo-se que tinhamos perdido todos os seus bens. Fizeram um levantamento dos prejuizos de todos os nossos bens, e em média oscilava entre os trinta e quarenta mil escudos, isto em 1969, quando em 1972 um terreno urbanizado com quatrocentos metros quadrados, e a cinco quilómetros da cidade de Espinho, e a quinze do Porto, custava vinte e um mil escudos, mas que nunca chegamos a receber nem um chavo.



No meu caso concreto faltavam-me ainda cerca de um ano para terminar a comissão, regressei à unidade a Vila Cabral, sendo exigido no imediato o comprimento integral das tarefas.



Cumprindo rigorosamente, como nada se tivesse passado connosco. Os traumas de que passamos a sofrer eram irrelevantes. Nem uma condecoração ou um simples louvor, para que pelo menos mentalmente servisse para nos ajudar, e ao mesmo, para perpetuar a memória dos nossos camaradas que deram a vida ao serviço nossa Pátria.



Alguem tinha de ser o primeiro a alcançar terra e a dinamizar o grupo para calacarrear a Ilha, certo que calhei de ser eu, e por isso dedico essa sorte a todos os camaradas que naquele dia fatidíco sobreviveram ou pereceram no Rio Zambeze.



Estava em Muembe/Niassa a setenta quilómetros de Vila Cabral, depois disto, ainda eram frequentes as viagens por várias localidade do Niassa, incluindo Metangula, e várias vezes senti de novo a morte.



Não posso deixar de referir que o Comandante do Batelão e o Oficial que nos acompanhou também ali morreram.



Aos que morreram paz às suas almas, e aos que sobreviveram as maiores felicidades.



Testemunho dado em 28 de Dezembro de 2009 no Centro Recreativo e Cultural de Sebolido, do qual sou Presidente da Direcção, ao meu Secretário e responsável pelas Secções Cultural e Recreativa, valdemar Marinheiro.



O Regresso atribulado no Paquete Vera Cruz descrito em cima.

2 comentários:

Anónimo disse...

Em pesquisa de assuntos e imagens que possa recolher ou citar num dos sítes onde sou membro encontrei este testemunho do lamentável trágico acidente com o batelão de que foi vitima mais os seus camaradas.Vivia nessa altura um pouco mais abaixo, no Luabo onde o meu pai trabalhava nos escritórios da açucareira Sena Sugar Estates.Conheço o Mestre do barco a vapor Mezingo que vos foi socorrer e viagem nele várias vezes de Luabo para Marromeu e vice versa.Tomei a liberdade de sacar um parágrafo do seu testemunho e o endereço do seu blog para o tal sitio
http://www.facebook.com/profile.php?id=100000044873264#!/pages/Amigos-do-Luabo/112212268794237
para os meus amigos poderem ler todo o conteúdo do seu testemunho.Com os vossos testemunhos, este e outros, se há-de escrever na História para que os nossos descendentes saibam.
G.LealDias

Anónimo disse...

O homem da viola é Gondomarense. Alcino Moura. Está vivo e estávamos ambos em Moçambique, na altura do naufrágio. Visitou-me em Vila Cabral. Meu conterrâneo e quase vizinho. Encontrei-o há tempos.
Um abraço a todos os camaradas.
Rocha
jromocontas@sapo.pt