quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Fuzileiros e as Vacas

Este não engana ninguém, deu dois tiros aos macacos Cães.

Honro-me de ter usado o uniforme por umas horas 
OPERAÇÃO NÓ GÓRDIO
        COBOÉ
Lá ao fundo pastam vacas, guardadas por dois fuzileiros navais, magras e tristes como as vacas de África, são o espólio trazido do mato, roubado às populações e acrescentado pouco a pouco, até formar um bando de vinte  e cinco; são a carne dos dias de festa, branca e escassa. Agarrados à G3, os fuzileiros estão sentados, cada um do seu lado, como se guardassem prisioneiros; do ribeiro, vêm um ou outro canto de ave e ruídos das árvores, ali mais altas; do miradouro, os guardas olham à volta; estão muito à distância, mas vê-se um, atirar pedras para o lago.
É este o espaço onde se movimenta a tropa, juntado-lhe o lado do aeroporto. Depois vem a cerca de arame farpado e o arame interno, grosso, posto de cem em cem metros, onde os cães ficam de guarda; cada tem à volta de vinte metros, e o cão balança-se de um lado para o outro, roçando a trela. Isto acontece sobretudo à noite; durante o dia, os tratadores, encabeçados pelo Soares, marinheiro especialista naquilo, treinam os cães metodicamente. Às vezes o imediato vem e fica, plantado nas pernas relativamente curtas, a olhar a coisa sério. Só raramente o comandante chega, no jipe; larga da parada quase a cem à hora, entra em grande pelo caminho cheio de pedras  e estaca a vinte metros, camisa bem passada, pistola à cinta.Trata-se de um homem para o gordo, ou seja, para o forte; mesmo ali no Norte, continua a impor o ritmo de trabalho e disciplina   de Vale de Zebro, quando comandava o 1º Batalhão de Navais.
     Já integrados na operação Nó Górdio, o Imediato  está cansado, fuma um cigarro sentado numa pedra. O PIDE que acompanha a missão olha para umas mulheres vivas, pega na G3 de um Grumete e descarrega o carregador até final. Já só restam dois miúdos  encontrados por um sargento, escondidos, trá-los para o meio dos mortos, pendurados pelas pernas. O Pide  solta uma fumaça de gozo; um dos miúdos é abatido; o outro vai ser cortado pelo pescoço, sabre à laia de machado: O imediato olha aquilo e de repente faz um gesto.
-Melo!
     O sargento pára. O miúdo tem à volta de três anos e está nu.
     O imediato vem devagar e toda a tropa olha; pega-lhe nos braços, volta-o e ele  fica sentado mas caba por cair; está quase sem sentidos e não chora. Da sua pouca altura , o imediato observa-o bem e toca-o com um pé. Olha a tropa na expectativa. - Este fica para mascote. Ficou a chamar-se José Manuel. Toma banho no lago com os marinheiros.
A POPULAÇÃO:
     Acusados de traição por uns, julgados terroristas por outros, foram muitos e muitos milhares os que morreram inocentes, durante os anos em que durou a guerra.

Ao meio, um filho da Escola da minha recruta sétima companhia na Escola de Alunos Marinheiros.

Ementas de Luxo no Cobué

Ao artigo acima publicado e pela primeira vez transcrevo um comentário que receboi do Valdemar Alves Fuzileiro que esteve no Cobué.
No que respeita a vacas no Cobué era ementa de luxo, menú atúm avec pommes de terre Niass "e viva o velho. Ilucidei, Xará avia muitas vacas que erama tratadas por um Nativo isso sim em Metangula na nossa Base. Quanto ás latas de atum de fruta. Vocês tiveram uma sorte do Caneco e isso não se fazia, pois muitas delas já tinham feito a Viagem nas lanchas três e quatro vezes. Enfim já peertencia à Marinha, enquanto a nós nunca nos foi oferecida uma única viagem.
 Sorte da Raia Miúda..

6 comentários:

Valdemar disse...

Carne de vaca no Cobué era ementa de luxo, menú de 5****... O rancho era geralmente latinhas de atúm "avec pommes de terre à la Niassa" e viva o vellho!
Valdemar Alves

Valdemar Marinheiro disse...

Olá Xará. Eu transcrevi um testemunho escrito por João Navarro, eu não tinha conhecimento de Vacas no Cobué, mas como quando a operção NÓ- GÓRDIO, Cógido Secreto Nó - Cego, ele relata este episódio e fala no miúdo mascote. Esapero que venha a ser confirmada se a história do garoto é verdadeira e a sê-lo que se sabe do José Manuel.
Ele depois faz um ataque mais feróz a não ser verdeiro é lamentável. As vacas sim tinhamos em Metangula, quando ele fala no Aeroporto, deduzi que seria Metangula, o arame o nome do Fuzileiro e os cães etc. Gostaria de saber se existia no Cobué essas coisas. A não ser verdade, vamos repô-la.
Quantos às latinhas de frutas e as outras, muitas delas fizeram de e para o Cobué, três e quatro viagens, rendia para nós nunca houve um viagem de recreio. Era o clima. Percebe-se. E eprgunto-te conheces-te algum que estivesse a tomar contas destas coisas que não viesse passar trinta dias de férias à cidade ou à Metrópole.Gente séria. Lembro-te António Aleixo.
Sei que pareço um ladrão!... Mas há muitos que eu conheço!.... Que não parecendo o que eu sou. São aquilo que eu pareço!....
Até lá um abraço para todos.
O que transcrevi, que está numa publicação Os Anos de Guerra de 1961 a 1975 e é das Publicações Dom Quixote.

Tintinaine disse...

Eu em Metangula e no Cobué passei fome de rato!
Até peixe do Lago guisado com massa comi! Custa-me acreditar que o tenha feito, a esta distância no tempo, mas aconteceu mesmo.
Felizmente o bacalhau nunca acabou e, ás vezes, tinha a sorte de arranjar duas ou três postas para fazer uma gigantesca punheta, com muitas alfaces, tomates e pimentos da nossa machamba, à beira do Lago.
Assim conseguia afinar de novo o paladar e aguentar mais duas ou três semanas de fome. Aquele ano de 1967 foi um pesadelo, nesse aspecto!

Valdemar Marinheiro disse...

Das vacas em Metangula tive várias Tainas, elas com Sol quase davam para se ver de um lado ao outro, mas a pouca carne que ficava agarrada aos osso dava uma sopa altamente saborosa, mesmo espectacula. Foi castigado o Cozinheiro, e fiou para o seu lugar um Marinheiro Fuzileiro Alentejano, até o gato da cozinha não se safou, por ter a ousadia de nos comer os bifes que eram escondidos para a malta do rancho da porca, "teve o que mereceu forca" dependurado e gibatado pescoço, patas cortadas por causa do veneno, foi misturado com os Coelhos vindo do Malawi comi e não notei a diferença "Fui obrigado". Se andasse por lá mais dois anitos, acabava forcado, pois era divertido as pegas, antes delas serem abatidas, ali junto ao campo de futebol salão, não longe do teu posto de escravatura. "A piscina".
Os filhos da escola dos DFE´s, inclusivé o teu Irmão que esteve lá e os que participaram na Operação Nó Górdio tem um saco grande cheio para despejar. Vamos a isso Filhos da Escola. Quem cala consente.
Bons enlatados.

Anónimo disse...

Para todos os leitores deste blog vamos falar na mascote do DFE1 (destacamento nº 1 de Fuzileiros Especiais) Moçambique 64/66.
Pois é o José Manuel foi trazido por nós do distrito de Cabo Delgado perto do planalto dos Macondes, tinha realmente pouca idade talvez 4 anos. Mais tarde devido termos sido destacados para metangula e depois para o Coboé, o josé Manuel foi registado em Metangula com o nome completo de José Manuel Augusto Cardoso. Veio para a Metrópole e chegou a cumprir serviço militar. Já faleceu num acidente de viação na zona norte do país.

Anónimo disse...

Estive no Cóboé nos longíquos anos de 1965/66 integrado no DFE1.Fomos enviados para lá onde já estava uma companhia de Caçadores que era a 612. Pois, a carne era um luxo. Com o andar da guerra fomos destruindo umas "bases" da Frelimo e lá vinham umas vaquinhas conosco.Gostava de ler o livro do camarada Modesto Navarro que me parece ser o retrato do DFE1 em Moçambique. XAU